Ainda quando um feto
bem menor que a espera
de alguém que tanto paquera
uma flor desabochar
já tinha o nome Dandára
pela raça e pela guerra
e o sonho que um dia ela
seja assim tão camarada
como foram grandes nomes
e outros que ainda vivem
ideias e passos firmes
em nome da liberdade.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Canção do meio do mundo

A ciranda rodava no meio do mundo,
No meio do mundo a ciranda rodava.

E quando a ciranda parava um segundo
Um grilo, sozinho no mundo, cantava...

Dali a três quadras o mundo acabava,
Dali a três quadras, num valo profundo...

Bem junto com a rua o mundo acabava.
Rodava a ciranda no meio do mundo...

E Nosso Senhor era ali que morava,
Por trás das estrelas, cuidando o seu mundo...

E quando a ciranda por fim terminava
E o silêncio, em tudo, era mais profundo,

Nosso Senhor esperava... esperava...
Cofiando as suas barbas de Pedro Segundo.
Mario Quintana.

Sem título

Te olho nos olhos e você reclama

Que te olho muito profundamente

Desculpa.

Tudo que vivi foi profundamente

Te ensinei quem sou

E você foi me tirando os espaços

Entre os abraços

Guarda-me apenas uma fresta

Eu que sempre fui livre

Não importava o que os outros dissessem

Até onde posso ir pra te resgatar?

Reclama de mim

Como se tivesse a possibilidade de eu me inventar de novo

Desculpa se te olho profundamente

Rente à pele

A ponto de ver seus ancestrais nos seus traços

A ponto de ver a estrada

Muito antes dos seus passos.

Eu não vou separar

As minhas vitórias dos meus fracassos

Eu não vou renunciar a mim

Nenhuma parte, nenhum pedaço

Do meu ser vibrante,

Errante, sujo, livre

Quente.

Eu quero estar viva

E permanecer te olhando

Profundamente.

Safena

Sabe o que é um coração
amar ao máximo de seu sangue?
Bater até o auge de seu baticum?
Não, você não sabe de jeito nenhum.
Agora chega.
Reforma no meu peito!
Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas
aproximem-se!
Rolos, rolas, tinta, tijolo
comecem a obra!
Por favor, mestre de Horas
Tempo, meu fiel carpinteiro
comece você primeiro passando verniz nos móveis
e vamos tudo de novo do novo começo.

Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora
apertem os cintos
Adeus ao sinto muito do meu jeito
Pitos ventres pernas
aticem as velas
que lá vou de novo na solteirice
exposta ao mar da mulatice
à honra das novas uniões

Vassouras, rodos, águas, flanelas e cercas
Protejam as beiras
lustrem as superfícies
aspirem os tapetes
Vai começar o banquete
de amar de novo
Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões
Façam todos suas inscrições.
Sim. Vestirei vermelho carmim escarlate

O homem que hoje me amar
Encontrará outro lá dentro.
Pois que o mate.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Você tem experiência?

Já fiz cosquinha na minha irmã só pra ela parar de chorar.

Já me queimei brincando com vela.

Eu já fiz bola de chiclete e melequei todo o rosto.

Já conversei com o espelho, e até já brinquei de ser bruxo.

Já quis ser astronauta, violonista, mágico, caçador e trapezista.

Já me escondi atrás da cortina e esqueci os pés pra fora.

Já passei trote por telefone.

Já tomei banho de chuva e acabei me viciando.

Já roubei beijo.

Já confundi sentimentos.

Peguei atalho errado e continuo andando pelo desconhecido.

Já raspei o fundo da panela de arroz carreteiro.

Já me cortei fazendo a barba apressado.

Já chorei ouvindo música no ônibus.

Já tentei esquecer algumas pessoas,

mas descobri que essas são as mais difíceis de se esquecer.

Já subi escondido no telhado pra tentar pegar estrelas.

Já subi em árvore pra roubar fruta.

Já caí da escada de bunda.

Já fiz juras eternas.

Já escrevi no muro da escola.

Já chorei sentado no chão do banheiro.

Já fugi de casa pra sempre, e voltei no outro instante.

Já corri pra não deixar alguém chorando.

Já fiquei sozinho no meio de mil pessoas sentindo falta de uma só.

Já vi pôr-do-sol cor-de-rosa e alaranjado.

Já me joguei na piscina sem vontade de voltar.

Já bebi uísque até sentir dormentes os meus lábios.

Já olhei a cidade de cima e mesmo assim não encontrei meu lugar.

Já senti medo do escuro.

Já tremi de nervoso.

Já quase morri de amor,

mas renasci novamente pra ver o sorriso de alguém especial.

Já acordei no meio da noite e fiquei com medo de levantar.

Já apostei corrida descalço na rua.

Já gritei de felicidade.

Já roubei rosas num enorme jardim.

Já me apaixonei e achei que era para sempre,

mas sempre era um "para sempre" pela metade.

Já deitei na grama de madrugada e vi a Lua virar Sol.

Já chorei por ver amigos partindo,

mas descobri que logo chegam novos,

e que a vida é mesmo um ir e vir sem razão.

Foram tantas coisas feitas,

momentos fotografados pelas lentes da emoção,

guardados num baú, chamado coração…

E agora um formulário me interroga,

me encosta na parede e grita:

"Qual sua experiência?".

Essa pergunta ecoa no meu cérebro: experiência... experiência...

Será que ser "plantador de sorrisos" é uma boa experiência? Não! Talvez eles não saibam ainda colher sonhos!

Agora gostaria de indagar uma pequena coisa

para quem formulou esta pergunta:

"Experiência? Quem a tem, se a todo o momento tudo se renova?"

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Texto para uma separação

Olhe aqui, olhos de azeviche
vamos acertar as contas
porque é no dia de hoje
que cê vai embora daqui.
Mas antes...
quer me devolver o equilíbrio?
Quer se tocar, e botar o meu marca-passo pra consertar?
Quer me deixar na minha?
Quer tirar as mãos de dentro da minha calcinha?
Olhe aqui, olhos de azeviche:
quer parar de saxdoer no meu rádio?
Quer parar de torcer pro meu fim,
dentro do meu próprio estádio?
Espera aí, não vai sair assim...
Antes, quer ter a delicadeza de colar o meu espelho?
Isso. Agora fica de joelhos
e começa a cuspir todos os meus beijos.
Isso! Agora recolhe.
Engole a farta coreografia dessas línguas.
Varre com a língua todos esses anseios.
Não haverá mais filho,
pulsações, impulsos sexuais.
Hoje eu me suicido ingerindo sete caixas de anticoncepcionais.
Trata-se de um despejo.
Dedetize essa chateação que a gente chamou de desejo.
E leva também esses presentes que você me deixou.
Quer dizer, essa cara de pau, essa textura de verniz.
Tira de mim esse sentimento de penetração,
esse modo com que você me quis.
Esses ensaios de idas e voltas.
Essa esfregação.
Esse bob wilson erotizado
que a gente chamou de tesão.
E agova vai.
Ah não! Espera aí, última revista:
leva também aquela bobagem bobagem que você chamou
de amor à primeira vista.
E agora pode partir!
Pode ir que eu estou calma. Quero ficar sozinha
eu c'oa minha alma. Agora pode ir.
Gente! Cadê minha alma que estava aqui?

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Com vocês, o humor delicioso de Millôr Fernandes

Poesia Matemática

Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

Da série: Quintanares

A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.

Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.

A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.

A amizade é um amor que nunca morre.

A arte de viver é simplesmente a arte de conviver ... simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!

A poesia não se entrega a quem a define.

A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.

Ah, esses moralistas... Não há nada que empeste mais do que um desinfetante!

Autodidata é um ignorante por conta própria.

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo... Sim, ele poderá convencer os outros de sua angelitude - mas que trabalheira!

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloqüência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um.

Há 2 espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e ... os amigos, que são os nossos chatos prediletos.

Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo...

Minha vida é uma colcha de retalhos. Todos da mesma cor.

Não importa saber se a gente acredita em Deus: o importante é saber se Deus acredita na gente...

Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta.

Não tem porque interpretar um poema. O poema já é uma interpretação.

No céu é sempre domingo. E a gente não tem outra coisa a fazer senão ouvir os chatos. E lá é ainda pior que aqui, pois se trata dos chatos de todas as épocas do mundo.

O passado não reconhece o seu lugar: esta sempre presente.

O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.

O ruim dos filmes de Far West é que os tiroteios acordam a gente no melhor do sono.

Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.

Qualquer idéia que te agrade,
Por isso mesmo... é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua...

Eu te amo como quem esquece tudo
diante de um beijo:
as inúmeras horas desbeijadas
os terríveis desabraços
os dolorosos desencaixes
que meu corpo sofreu longe do seu.
Elejo sempre o encontro
Ele é o ponto do crochê.
Penélope invertida
nada começo de novo
nada desmancho
nada volto

Teço um novo tecido de amor eterno
a cada olhar seu de afeto
não ligo para nada que doeu.
Só para o que deixou de doer tenho olhos.
Cega do infortúnio
pesco os peixes dos nossos encaixes
pesco as gozadas
as confissões de amor
as palavras fundas de prazer
as esculturas astecas que nos fixam
na história dos dias

euteamo e suas estréias


Te amo mais uma vez esta noite
talvez nunca tenha cometido “euteamo”
assim tantas seguidas vezes, mal cabendo no fato
e no parco dos dias.
Não importo, importa é a alegria límpida
de poder deslocar o “Eu te amo”
de um único definitivo dia
que parece bastá-lo como juramento
e cuja repetição parece maculá-lo ou duvidá-lo…
Qual nada!
Pois que o euteamo é da dinâmica dos dias
É do melhoramento do amor
É do avanço dele
É verbo de consistência
É conjugação de alquimia
É do departamento das coisas eternas
que se repetem variadas e iguais todos os dias
na fartura das rotações e seus relógios de colmeias
no ciclo das noites e na eternidade das estréias:
O sol se aurora e se põe
com exuberância comum e com novidade diária
e aí dizemos em espanto bom: Que dia lindo!
E é! Porque só aquele dia lindo
é lindo como aquele.

Nossa sede, por mais primitiva,
é sempre uma
Uma loucura da falta inédita
até o paraíso da água nova
no deserto da nova goela.
Ela, a água,
a transparente obviedade que
habita nosso corpo
e nos exige reposição cujo modo
é o prazer.
Vê: tudo em nós comemora
o novo milenar de si
todas as horas:
Comer é novidade
Dormir é novidade
Doer é novidade
Sorrir é novidade
Banhar-se é novidade
Transar é novidade
Beijar é novidade
Maravilhosa repetitiva verdade que se
expõe em cachos a nosso dispor
variando em sabor e temor e glória
Por isso euteamo agora
como nunca antes
Porque quando euteamei ontem
Euteamava naquele tempo
e sou hoje o gerúndio
daquela disposição de verbo
Euteamo hoje com você dentro
embora sem você perto
euteamo em viagem
portanto em viragem
diferente da que quando
estava perto.
Meu certo é alto, forte
Euteamo como nunca amei
você longe, meu continente, meu rei
Euteamo quantas vezes for sentido
e só nesse motivo é que te amarei.

Chapeuzinho Vermelho por Millôr Fernandes

Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, - natural seria que, volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).

Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo que lhe disse: (Outro parêntesis; os animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e cinco minutos da tarde".

Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everiday Life", The Modern Library Inc. N.Y.). Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez — o que, segundo o conceito materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a idéia do capitalismo devorando o proletariado — e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com a roupa da avó.

Passaram-se quinze minutos (diagrama explicando o funcionamento do relógio e seu processo evolutivo através da História). Chapeuzinho Vermelho chegou e não percebeu que o lobo não era sua avó, porque sofria de astigmatismo convergente, que é uma perturbação visual oriunda da curvatura da córnea. Nem percebeu que a voz não era a da avó, porque sofria de Otite, inflamação do ouvido, nem reconheceu nas suas palavras, palavras cheias de má-fé masculina, porque afinal, eis o que ela era mesmo: esquizofrênica, débil mental e paranóica, pequenas doenças que dão no cérebro, parte-súpero-anterior do encéfalo. (A tentativa muito comum da mulher ignorar a transformação do Homem é profusamente estudada por Kinsey em "Sexual Behavior in the Human Female". W. B. Saunders Company, Publishers.) Mas, para salvação de Chapeuzinho Vermelho, apareceram os lenhadores, mataram cuidadosamente o Lobo, depois de verificar a localização da avó através da Roentgenfotografia. E Chapeuzinho Vermelho viveu tranqüila 57 anos, que é a média da vida humana segundo Maltus, Thomas Robert, economista inglês nascido em 1766, em Rookew, pequena propriedade de seu pai, que foi grande amigo de Rousseau.

Mão em baixo da blusa

Pare de me escutar
Eu acredito no que eu canto
Porque o que eu canto é muito verdadeiro
E o que há de inteiro num colar de ostras
Sem pérola dentro
A gente fica tentando transformar o mundo e vai mudando o mundo
Pra transformá-lo, transformá-lo, transformá-lo...
No que é
E as vezes eu fico pensando
Que eu não quero ser deusa
Eu não quero ser diva
Nem musa
O que eu quero
Sabe o que é
A sua mão
Bem aqui em baixo da minha blusa...

Segue o teu destino
Rega tuas plantas
Ama as tuas rosas
O resto é sombra
De árvores alheias

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te.
A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.



Se você for
exatamente como eu penso,
igualzinho aos meus sonhos...
eu vou embora.
Detesto desmancha-prazeres.

Era uma vez

Era uma vez, mas eu me lembro como se fosse agora. Eu queria ser trapezista, minha paixão era o trapézio. Me atirava do alto, na certeza que alguém segurava-me as mãos, não me deixando cair. Era lindo, mas eu morria de medo. Tinha medo de tudo, quase: cinema, parque de diversão, de circos, ciganos. Aquela gente encantada que chegava e seguia. Era disso que eu tinha medo. Do que não ficava pra sempre. Era outra vez, outro parque, outro circo, ciganos e patinadores. O circo chegou à cidade, era uma tarde de sonhos e eu corri até lá. Os artistas se preparavam nos bastidores para começar o espetáculo e eu entrei no meio deles e falei que queria ser trapezista. Veio falar comigo uma moça do circo que era a domadora. Era uma moça bonita, mas era uma moça forte, uma moçona mesmo. Me olhou, riu um pouco e disse que era muito difícil, mas que nada era impossível. Depois veio o palhaço Polly, veio o Topsy, veio o Diderlang, que parecia um príncipe, o dono do circo, as crianças, o público... De repente apareceu uma luz lá no alto e todo mundo ficou olhando. A lona do circo tinha sumido e o que eu via agora era a estrela Dalva no céu aberto. Quando eu cansei de ficar olhando pro alto e fui olhar pras pessoas, só aí eu vi que estava sozinho.