Ainda quando um feto
bem menor que a espera
de alguém que tanto paquera
uma flor desabochar
já tinha o nome Dandára
pela raça e pela guerra
e o sonho que um dia ela
seja assim tão camarada
como foram grandes nomes
e outros que ainda vivem
ideias e passos firmes
em nome da liberdade.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

José

Eu sempre tive a sorte de ser A DIFERENTE. Sempre me vesti como uma louca (mas não como uma rebelde sem causa, não confunda), sempre usei palavras que ninguém conhecia (defenestrar era a minha favorita), sempre gostei de coisas que ninguém mais gostava (fossem livros, músicas, artistas ou qualquer outra coisa). Porém, nesse caso especificamente, eu tive que abrir uma exceção. Essa é a poesia de Drumonnd mais famosa de todos os tempos, mas é também minha favorita. É a poesia mais difícil de se dizer DO MUNDO... mas é a que mais me desperta emoções. Leiam, senhoras e senhores (se é que alguém visita essa merda de blog T.T):

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José ?

E agora, José ?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ?


Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José !

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, pra onde ?

*A parte em negrito é a que eu mais gosto. Transmite claramente um medo que eu sempre tive: o medo de ficar sozinha. Eu sinto o desespero do José: "quer morrer no mar, mas o mar secou". Coitado, já não pode nem morrer!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

No elevador do filho de Deus

A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
Que eu já tô ficando craque em ressurreição.
Bobeou eu tô morrendo
Na minha extrema pulsão
Na minha extrema-unção
Na minha extrema menção
de acordar viva todo dia
Há dores que sinceramente eu não resolvo
sinceramente sucumbo
Há nós que não dissolvo
e me torno moribundo de doer daquele corte
do haver sangramento e forte
que vem no mesmo malote das coisas queridas
Vem dentro dos amores
dentro das perdas de coisas antes possuídas
dentro das alegrias havidas

Há porradas que não tem saída
há um monte de “não era isso que eu queria”
Outro dia, acabei de morrer
depois de uma crise sobre o existencialismo
3º mundo, ideologia e inflação…
E quando penso que não
me vejo ressurgida no banheiro
feito punheteiro de chuveiro
Sem cor, sem fala
nem informática nem cabala
eu era uma espécie de Lázara
poeta ressuscitada
passaporte sem mala
com destino de nada!

A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
ensaiar mil vezes a séria despedida
a morte real do gastamento do corpo
a coisa mal resolvida
daquela morte florida
cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos
cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos
que já tô ficando especialista em renascimento

Hoje, praticamente, eu morro quando quero:
às vezes só porque não foi um bom desfecho
ou porque eu não concordo
Ou uma bela puxada no tapete
ou porque eu mesma me enrolo
Não dá outra: tiro o chinelo…
E dou uma morrida!
Não atendo telefone, campainha…
Fico aí camisolenta em estado de éter
nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!
Tô nocauteada, tô morrida!

Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa
não tem aquela ansiedade para entrar em cena
É uma espécie de venda
uma espécie de encomenda que a gente faz
pra ter depois um produto com maior resistência
onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)
e fica feito a justiça: cega
Depois acorda bela
corta os cabelos
muda a maquiagem
reinventa modelos
reencontra os amigos que fazem a velha e merecida
pergunta ao teu eu: “Onde cê tava? Tava sumida, morreu?”
E a gente com aquela cara de fantasma moderno,
de expersona falida:
- Não, tava só deprimida.

ELISA LUCINDA

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Canção do meio do mundo

A ciranda rodava no meio do mundo,
No meio do mundo a ciranda rodava.

E quando a ciranda parava um segundo
Um grilo, sozinho no mundo, cantava...

Dali a três quadras o mundo acabava,
Dali a três quadras, num valo profundo...

Bem junto com a rua o mundo acabava.
Rodava a ciranda no meio do mundo...

E Nosso Senhor era ali que morava,
Por trás das estrelas, cuidando o seu mundo...

E quando a ciranda por fim terminava
E o silêncio, em tudo, era mais profundo,

Nosso Senhor esperava... esperava...
Cofiando as suas barbas de Pedro Segundo.
Mario Quintana.

Sem título

Te olho nos olhos e você reclama

Que te olho muito profundamente

Desculpa.

Tudo que vivi foi profundamente

Te ensinei quem sou

E você foi me tirando os espaços

Entre os abraços

Guarda-me apenas uma fresta

Eu que sempre fui livre

Não importava o que os outros dissessem

Até onde posso ir pra te resgatar?

Reclama de mim

Como se tivesse a possibilidade de eu me inventar de novo

Desculpa se te olho profundamente

Rente à pele

A ponto de ver seus ancestrais nos seus traços

A ponto de ver a estrada

Muito antes dos seus passos.

Eu não vou separar

As minhas vitórias dos meus fracassos

Eu não vou renunciar a mim

Nenhuma parte, nenhum pedaço

Do meu ser vibrante,

Errante, sujo, livre

Quente.

Eu quero estar viva

E permanecer te olhando

Profundamente.

Safena

Sabe o que é um coração
amar ao máximo de seu sangue?
Bater até o auge de seu baticum?
Não, você não sabe de jeito nenhum.
Agora chega.
Reforma no meu peito!
Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas
aproximem-se!
Rolos, rolas, tinta, tijolo
comecem a obra!
Por favor, mestre de Horas
Tempo, meu fiel carpinteiro
comece você primeiro passando verniz nos móveis
e vamos tudo de novo do novo começo.

Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora
apertem os cintos
Adeus ao sinto muito do meu jeito
Pitos ventres pernas
aticem as velas
que lá vou de novo na solteirice
exposta ao mar da mulatice
à honra das novas uniões

Vassouras, rodos, águas, flanelas e cercas
Protejam as beiras
lustrem as superfícies
aspirem os tapetes
Vai começar o banquete
de amar de novo
Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões
Façam todos suas inscrições.
Sim. Vestirei vermelho carmim escarlate

O homem que hoje me amar
Encontrará outro lá dentro.
Pois que o mate.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Você tem experiência?

Já fiz cosquinha na minha irmã só pra ela parar de chorar.

Já me queimei brincando com vela.

Eu já fiz bola de chiclete e melequei todo o rosto.

Já conversei com o espelho, e até já brinquei de ser bruxo.

Já quis ser astronauta, violonista, mágico, caçador e trapezista.

Já me escondi atrás da cortina e esqueci os pés pra fora.

Já passei trote por telefone.

Já tomei banho de chuva e acabei me viciando.

Já roubei beijo.

Já confundi sentimentos.

Peguei atalho errado e continuo andando pelo desconhecido.

Já raspei o fundo da panela de arroz carreteiro.

Já me cortei fazendo a barba apressado.

Já chorei ouvindo música no ônibus.

Já tentei esquecer algumas pessoas,

mas descobri que essas são as mais difíceis de se esquecer.

Já subi escondido no telhado pra tentar pegar estrelas.

Já subi em árvore pra roubar fruta.

Já caí da escada de bunda.

Já fiz juras eternas.

Já escrevi no muro da escola.

Já chorei sentado no chão do banheiro.

Já fugi de casa pra sempre, e voltei no outro instante.

Já corri pra não deixar alguém chorando.

Já fiquei sozinho no meio de mil pessoas sentindo falta de uma só.

Já vi pôr-do-sol cor-de-rosa e alaranjado.

Já me joguei na piscina sem vontade de voltar.

Já bebi uísque até sentir dormentes os meus lábios.

Já olhei a cidade de cima e mesmo assim não encontrei meu lugar.

Já senti medo do escuro.

Já tremi de nervoso.

Já quase morri de amor,

mas renasci novamente pra ver o sorriso de alguém especial.

Já acordei no meio da noite e fiquei com medo de levantar.

Já apostei corrida descalço na rua.

Já gritei de felicidade.

Já roubei rosas num enorme jardim.

Já me apaixonei e achei que era para sempre,

mas sempre era um "para sempre" pela metade.

Já deitei na grama de madrugada e vi a Lua virar Sol.

Já chorei por ver amigos partindo,

mas descobri que logo chegam novos,

e que a vida é mesmo um ir e vir sem razão.

Foram tantas coisas feitas,

momentos fotografados pelas lentes da emoção,

guardados num baú, chamado coração…

E agora um formulário me interroga,

me encosta na parede e grita:

"Qual sua experiência?".

Essa pergunta ecoa no meu cérebro: experiência... experiência...

Será que ser "plantador de sorrisos" é uma boa experiência? Não! Talvez eles não saibam ainda colher sonhos!

Agora gostaria de indagar uma pequena coisa

para quem formulou esta pergunta:

"Experiência? Quem a tem, se a todo o momento tudo se renova?"

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Texto para uma separação

Olhe aqui, olhos de azeviche
vamos acertar as contas
porque é no dia de hoje
que cê vai embora daqui.
Mas antes...
quer me devolver o equilíbrio?
Quer se tocar, e botar o meu marca-passo pra consertar?
Quer me deixar na minha?
Quer tirar as mãos de dentro da minha calcinha?
Olhe aqui, olhos de azeviche:
quer parar de saxdoer no meu rádio?
Quer parar de torcer pro meu fim,
dentro do meu próprio estádio?
Espera aí, não vai sair assim...
Antes, quer ter a delicadeza de colar o meu espelho?
Isso. Agora fica de joelhos
e começa a cuspir todos os meus beijos.
Isso! Agora recolhe.
Engole a farta coreografia dessas línguas.
Varre com a língua todos esses anseios.
Não haverá mais filho,
pulsações, impulsos sexuais.
Hoje eu me suicido ingerindo sete caixas de anticoncepcionais.
Trata-se de um despejo.
Dedetize essa chateação que a gente chamou de desejo.
E leva também esses presentes que você me deixou.
Quer dizer, essa cara de pau, essa textura de verniz.
Tira de mim esse sentimento de penetração,
esse modo com que você me quis.
Esses ensaios de idas e voltas.
Essa esfregação.
Esse bob wilson erotizado
que a gente chamou de tesão.
E agova vai.
Ah não! Espera aí, última revista:
leva também aquela bobagem bobagem que você chamou
de amor à primeira vista.
E agora pode partir!
Pode ir que eu estou calma. Quero ficar sozinha
eu c'oa minha alma. Agora pode ir.
Gente! Cadê minha alma que estava aqui?

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Com vocês, o humor delicioso de Millôr Fernandes

Poesia Matemática

Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

Da série: Quintanares

A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.

Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.

A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.

A amizade é um amor que nunca morre.

A arte de viver é simplesmente a arte de conviver ... simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!

A poesia não se entrega a quem a define.

A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.

Ah, esses moralistas... Não há nada que empeste mais do que um desinfetante!

Autodidata é um ignorante por conta própria.

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo... Sim, ele poderá convencer os outros de sua angelitude - mas que trabalheira!

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloqüência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um.

Há 2 espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e ... os amigos, que são os nossos chatos prediletos.

Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo...

Minha vida é uma colcha de retalhos. Todos da mesma cor.

Não importa saber se a gente acredita em Deus: o importante é saber se Deus acredita na gente...

Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta.

Não tem porque interpretar um poema. O poema já é uma interpretação.

No céu é sempre domingo. E a gente não tem outra coisa a fazer senão ouvir os chatos. E lá é ainda pior que aqui, pois se trata dos chatos de todas as épocas do mundo.

O passado não reconhece o seu lugar: esta sempre presente.

O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.

O ruim dos filmes de Far West é que os tiroteios acordam a gente no melhor do sono.

Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.

Qualquer idéia que te agrade,
Por isso mesmo... é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua...

Eu te amo como quem esquece tudo
diante de um beijo:
as inúmeras horas desbeijadas
os terríveis desabraços
os dolorosos desencaixes
que meu corpo sofreu longe do seu.
Elejo sempre o encontro
Ele é o ponto do crochê.
Penélope invertida
nada começo de novo
nada desmancho
nada volto

Teço um novo tecido de amor eterno
a cada olhar seu de afeto
não ligo para nada que doeu.
Só para o que deixou de doer tenho olhos.
Cega do infortúnio
pesco os peixes dos nossos encaixes
pesco as gozadas
as confissões de amor
as palavras fundas de prazer
as esculturas astecas que nos fixam
na história dos dias

euteamo e suas estréias


Te amo mais uma vez esta noite
talvez nunca tenha cometido “euteamo”
assim tantas seguidas vezes, mal cabendo no fato
e no parco dos dias.
Não importo, importa é a alegria límpida
de poder deslocar o “Eu te amo”
de um único definitivo dia
que parece bastá-lo como juramento
e cuja repetição parece maculá-lo ou duvidá-lo…
Qual nada!
Pois que o euteamo é da dinâmica dos dias
É do melhoramento do amor
É do avanço dele
É verbo de consistência
É conjugação de alquimia
É do departamento das coisas eternas
que se repetem variadas e iguais todos os dias
na fartura das rotações e seus relógios de colmeias
no ciclo das noites e na eternidade das estréias:
O sol se aurora e se põe
com exuberância comum e com novidade diária
e aí dizemos em espanto bom: Que dia lindo!
E é! Porque só aquele dia lindo
é lindo como aquele.

Nossa sede, por mais primitiva,
é sempre uma
Uma loucura da falta inédita
até o paraíso da água nova
no deserto da nova goela.
Ela, a água,
a transparente obviedade que
habita nosso corpo
e nos exige reposição cujo modo
é o prazer.
Vê: tudo em nós comemora
o novo milenar de si
todas as horas:
Comer é novidade
Dormir é novidade
Doer é novidade
Sorrir é novidade
Banhar-se é novidade
Transar é novidade
Beijar é novidade
Maravilhosa repetitiva verdade que se
expõe em cachos a nosso dispor
variando em sabor e temor e glória
Por isso euteamo agora
como nunca antes
Porque quando euteamei ontem
Euteamava naquele tempo
e sou hoje o gerúndio
daquela disposição de verbo
Euteamo hoje com você dentro
embora sem você perto
euteamo em viagem
portanto em viragem
diferente da que quando
estava perto.
Meu certo é alto, forte
Euteamo como nunca amei
você longe, meu continente, meu rei
Euteamo quantas vezes for sentido
e só nesse motivo é que te amarei.

Chapeuzinho Vermelho por Millôr Fernandes

Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, - natural seria que, volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).

Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo que lhe disse: (Outro parêntesis; os animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e cinco minutos da tarde".

Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everiday Life", The Modern Library Inc. N.Y.). Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez — o que, segundo o conceito materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a idéia do capitalismo devorando o proletariado — e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com a roupa da avó.

Passaram-se quinze minutos (diagrama explicando o funcionamento do relógio e seu processo evolutivo através da História). Chapeuzinho Vermelho chegou e não percebeu que o lobo não era sua avó, porque sofria de astigmatismo convergente, que é uma perturbação visual oriunda da curvatura da córnea. Nem percebeu que a voz não era a da avó, porque sofria de Otite, inflamação do ouvido, nem reconheceu nas suas palavras, palavras cheias de má-fé masculina, porque afinal, eis o que ela era mesmo: esquizofrênica, débil mental e paranóica, pequenas doenças que dão no cérebro, parte-súpero-anterior do encéfalo. (A tentativa muito comum da mulher ignorar a transformação do Homem é profusamente estudada por Kinsey em "Sexual Behavior in the Human Female". W. B. Saunders Company, Publishers.) Mas, para salvação de Chapeuzinho Vermelho, apareceram os lenhadores, mataram cuidadosamente o Lobo, depois de verificar a localização da avó através da Roentgenfotografia. E Chapeuzinho Vermelho viveu tranqüila 57 anos, que é a média da vida humana segundo Maltus, Thomas Robert, economista inglês nascido em 1766, em Rookew, pequena propriedade de seu pai, que foi grande amigo de Rousseau.

Mão em baixo da blusa

Pare de me escutar
Eu acredito no que eu canto
Porque o que eu canto é muito verdadeiro
E o que há de inteiro num colar de ostras
Sem pérola dentro
A gente fica tentando transformar o mundo e vai mudando o mundo
Pra transformá-lo, transformá-lo, transformá-lo...
No que é
E as vezes eu fico pensando
Que eu não quero ser deusa
Eu não quero ser diva
Nem musa
O que eu quero
Sabe o que é
A sua mão
Bem aqui em baixo da minha blusa...

Segue o teu destino
Rega tuas plantas
Ama as tuas rosas
O resto é sombra
De árvores alheias

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te.
A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.



Se você for
exatamente como eu penso,
igualzinho aos meus sonhos...
eu vou embora.
Detesto desmancha-prazeres.

Era uma vez

Era uma vez, mas eu me lembro como se fosse agora. Eu queria ser trapezista, minha paixão era o trapézio. Me atirava do alto, na certeza que alguém segurava-me as mãos, não me deixando cair. Era lindo, mas eu morria de medo. Tinha medo de tudo, quase: cinema, parque de diversão, de circos, ciganos. Aquela gente encantada que chegava e seguia. Era disso que eu tinha medo. Do que não ficava pra sempre. Era outra vez, outro parque, outro circo, ciganos e patinadores. O circo chegou à cidade, era uma tarde de sonhos e eu corri até lá. Os artistas se preparavam nos bastidores para começar o espetáculo e eu entrei no meio deles e falei que queria ser trapezista. Veio falar comigo uma moça do circo que era a domadora. Era uma moça bonita, mas era uma moça forte, uma moçona mesmo. Me olhou, riu um pouco e disse que era muito difícil, mas que nada era impossível. Depois veio o palhaço Polly, veio o Topsy, veio o Diderlang, que parecia um príncipe, o dono do circo, as crianças, o público... De repente apareceu uma luz lá no alto e todo mundo ficou olhando. A lona do circo tinha sumido e o que eu via agora era a estrela Dalva no céu aberto. Quando eu cansei de ficar olhando pro alto e fui olhar pras pessoas, só aí eu vi que estava sozinho.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A fúria da beleza


Estupidamente bela
a beleza dessa maria-sem-vergonha rosa
soca meu peito esta manhã!
Estupendamente funda,
a beleza, quando é linda demais,
dá uma imagem feita só de sensações,
de modo que, apesar de não se ter consciência desse todo,
naquele instante não nos falta nada.
É um pá. Um tapa. Um gole.
Um bote nos paralisa, organiza,
dispersa, conecta e completa!
Estonteantemente linda
a beleza doeu profundo no peito essa manhã.
Doeu tanto que eu dei de chorar,
por causa de uma flor comum e misteriosa do caminho.
Uma delicada flor ordinária,
brotada da trivialidade do mato,
nascida do varejo da natureza,
me deu espanto!
Me tirou a roupa, o rumo, o prumo
e me pôs a mesa...
é a porrada da beleza!
Eu dei de chorar de uma alegria funda,
quase tristeza.
Acontece às vezes e não avisa.
A coisa estarrece e abre-se um portal.
É uma dobradura do real, uma dimensão dele,
uma mágica à queima-roupa sem truque nenhum.
Porque é real.
Doeu a flor em mim tanto e com tanta força
que eu dei de soluçar!
O esplendor do que eu vi era pancada,
era baque e era bonito demais!
penso, às vezes, que vivo para esse momento
indefinível, sagrado, material, cósmico,
quase molecular.
Posto que é mistério,
descrevê-lo exato perambula ermo

dentro da palavra impronunciável.
Sei que é desta flechada de luz
que nasce o acontecimento poético.
Poesia é quando a iluminação zureta,
bela e furiosa desse espanto
se transforma em palavra!
A florzinha distraída
existindo singela na rua paralelepípeda esta manhã,
doeu profundo como se passasse do ponto.
Como aquele ponto do gozo,
como aquele ápice do prazer
que a gente pensa que vai até morrer!
Como aquele máximo indivisível,
que, de tão bom, é bom de doer,
aquele momento em que a gente pede pára
querendo e não podendo mais querer,
porque mais do que aquilo
não se agüenta mais,
sabe como é?
Violenta, às vezes, de tão bela, a beleza é!

O Monstro

Pelas margens sagradas do Eufrates, que fugia então, sem espuma e sem ondas, caminhavam, na infância maravilhosa da Terra, a Dor e a Morte. Eram dois espectros longos e vagos, sem formas definidas, cujos pés não deixavam traços na areia. De onde vinham, nem elas próprias sabiam. Guardavam silêncio e marchavam sem ruído olhando as coisas recém-criadas.
Foi isto no sexto dia da criação. Com o focinho mergulhado no rio, hipopótamos descomunais contemplavam, parados, a sua sombra enorme, tremulamente refletida nas águas. Leões fultos, de jubas tão grandes que pareciam, de longe, estranhas frondes de árvores louras, estendiam a cabeça redonda, perscrutando o deserto. Para o interior da terra, onde o solo começava a cobrir-se de verde, velando a sua nudez com um leve manto de relva moça, que os primeiros botões enfeitavam, fervilhava um mundo de seres novos, assustados, ainda, com a surpresa miraculosa da vida.
Em passo triste, a Dor e a Morte caminham, olhando, sem interesse, as maravilhas da criação. Raramente marcham lado a lado. A Dor vai sempre à frente, ora mais apressada, ora mais vagarosa; a outra sempre no mesmo rítimo, não se adianta, nem se atrasa.
Súbito, como se a detivesse um grande braço invisível, a Dor estacou, deixando aproximar-se sua companheira.
- Para que mistério - disse, a voz surda - para que mistério teria Jeová, no capricho de sua onipotência, enfeitado a Terra de tanta coisa curiosa?
A Morte estendeu os olhos perscrutadores até os limites do horizonte, abrangendo o rio e o deserto, e observou, num sorriso macabro que fez rugir os leões:
- Para nós ambas, talvez...
- E se nós próprias fizéssemos, com as nossas mãos, uma criatura que fosse, na Terra, o objeto carinhoso de nossos cuidados? Modelados por nós mesmas, o nosso filho seria, com certeza, diferente dos auroques, dos ursos, dos mastodontes, das aves fugitivas dos céus e das grandes baleias do mar. Tra-lo-íamos, eu e tu, em nossos braços, fazendo do seu canto, ou do seu urro, a música do nosso prazer... eu o traria sempre comigo, embalando-o, avivando-lhe o espírito, aperfeiçoando-lhe a alma, formando-lhe o coração. Quando eu me fatigasse, toma-lo-ías, tu, então, no teu regaço... Queres?
A Morte assentiu, e desceram ambas à margem do rio; onde se acocoraram sombrias, modelando seu filho.
- Eu darei a água - disse a Dor, mergulhando a concha das mãos, de dedos esqueléticos, no lençol vagaroso da corrente.
- Eu darei o barro - ajuntou a Morte, enchendo as mãos de lama pútrida, que o sol endurecera.
E puseram-se a trabalhar. Seca e áspera, a lama se desfazia nas mãos da oleira sinistra que, assim, trabalhava inutilmente.
- Traga mais água - pedia.
A Dor enchia as mãos no leito do rio, molhava o barro, e este, logo, se amoldava, escuro, ao capricho dos dedos magros que o comprimiam. O crânio, os olhos, o nariz, a boca, os braços, o ventre, as pernas, tudo se foi formando, a um jeito, mais forte ou mais leve, da escultora silenciosa.
Horas mais tarde, possuia a Criação, um bicho desconhecido. Plagiado da obra divina, o novo habitante da Terra não se parecia com os outros, sendo uma reminiscência deles. A sua juba era do leão; os seus dentes, do lobo; os seus olhos, os da hiena; andava sobre dois pés como as aves.
Repelido pelos outros seres, marchava, assim, o Homem, custodiado pela Dor e a Morte. No seu espírito inseguro, surgiam, as vezes, interrogações inquietantes. Certo, se aqueles seres se assombravam à sua aproximação, era porque reconheciam, unânimes, sua condição superior. E assim refletindo, comprazia-se em assustar as aves e os animais que lhe pareciam mais fracos.
Um di, porém, orgulhosas de seu filho, as duas se desavieram.
- Quem o criou fui eu! - dizia a Morte - Fui eu quem contribuiu com o barro!
- Fui eu! - gritava a outra - Que farias tu, sem a água que amoleceu a lama?
E como nenhuma voz conciliadora as serenasse, resolveram, as duas, que cada uma tiraria de sua criatura a parte com que havia contribuído.
Abrindo os braços, a Dor lançou-se contra o mostro, apertando-o violentamente. A água que o corpo continha, subiu de repente aos olhos do Homem, e começou a cair, gota a gota... Quando não havia mais água que espremer, a Dor se foi embora. A Morte aproximou-se então do monte de lama, tomou-o nos braços e partiu...

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Mais retratos do fim de semana


Mãe e Moara

Meninas da quadrilha

Solange (eu disse que eu ia pôr essa foto no blog!)

Moara dançando quadrilha

Retratos do fim de semana...


quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Estrangeirismos

Estrangeirismo

Outro dia me convidaram para irmos ao MC DONALD'S comermos CHEESE BURGER.

O salão estava lotado e fizemos os pedidos através de um tal de DRIVE THRU.
Os colegas percebendo a minha irritação disseram: se tu tiver com pressa eles tem um sistema de DELIVERY, maravilhoso.

Desacostumado com este linguajar chamei os cabras: vamos simbora.

Seguimos pela avenida HENRIQUE SCHAUMANN, onde pude observar um OUT DOOR, estava escrito: CHINA IN BOX, e uma seta indicativa PARKING. Nós não paramos por lá não.

Seguimos mais adiante avistamos um restaurante bonito e luxuoso e na porta de entrada uma luz neon piscando escrita OPEN.

Quando olhei pro chão, pude ver estampado um capacho com a bandeira americana me convidando: WELLCOME. Ao adentrarmos naquele recinto eu pude observar na sua decoração, e nas paredes estavam escrito assim: ICE CAKE, CHEESE EGG, CHEESE BURGER e FAST FOOD.

Eu pensei comigo FODE na Bahia a gente usa numa outra situação.
Do meu lado esquerdo uma garota tomava uma cerveja numa lata vermelha e azul cuja marca era BUDWISSER. O camarada que lhe acompanhava tomava sua LONG NECK, HEINIKENN. Do me lado direito uma loira bonita, peituda falava pro cabra com voz sensual assim:
Eu trabalho numa RELAX FOR MAN.
E ele pergunta prá ela:
Fica próximo do Motel MY FLOWERS? E ela lhe responde:
Não BABY, fica junto a NIGHT CLUB, WONDERFUL PENETRACION.
A fome aumentava juntamente com a raiva e eu não sabia se pedia um HOT DOG, ou um simples cachorro quente.
Imputecido mais uma vez com aquela situação chamei os caboclos:vamos simbora.
Na saida o manobrista nos recebe e nos entrega as chaves do nosso possante veiculo:Um fusca sessenta e oito fabricado em Volta Redonda na epoca do presidente JUSCELINO KUBITSCHEK,
Ele olha prá mim e me diz: THANK YOU SIR AND HAVE A GOOD NIGHT. E eu usando toda minha simplicidade e educação que aprendi no sertão da Bahia, eu olhei prá ele e lhe disse:
VÁ PRÁ PUTA QUE LHE PARIU!

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

Não pode ser!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3 a 1 não, assim me humilha!!!!!!!!!!!!!!!
Foi o uniforme, só pode ser. Já cansei de dizer que aquele uniforme fosforescente
(ou fluorescente, sei lá) dá o maior azar! Mas alguém me escuta?
Nããããooo! Depois vem reclamar!

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Joana Francesa

Tu ris, tu mens trop
Tu pleures, tu meurs trop
Tu as le tropique
Dans le sang et sur la peau
Geme de loucura e de torpor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Mata-me de rir
Fala-me de amor
Songes et mensonges
Sei de longe e sei de cor
Geme de prazer e de pavor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Vem molhar meu colo
Vou te consolar
Vem, mulato mole
Dançar dans mes bras
Vem, moleque me dizer
Onde é que está
Ton soleil, ta braise

Quem me enfeitiçou
O mar, marée, bateau
Tu as le parfum
De la cachaça e de suor
Geme de preguiça e de calor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Dá neles, Brasil!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

"Brasil deixa China na lona: com time misto, seleção brasileira não perdoa e detona os chineses por 3 a 0. Thiago Neves fez dois." (Yahoo!Brasil)
Pois é. Não foi um espetáculo, como sempre se espera do Brasil. Mas para quem (como eu) se contenta com uma vitória, foi, com certeza, um belo jogo. Agora é esperar Camarões... será que o fantasma de 2000 vai atrapalhar dessa vez? Vamos esperar que não.
E hoje estão todos convidados para torcer pelo porco!!!!!!!!! Vamo lá, Palmeiras!!!!

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Amor pelos desfechos

Amor Pelos Desfechos
(Elisa Lucinda)
Chuvinha fina, porém decidida, eu entro no táxi mandado a me buscar e que me aguardava à porta de casa, já há uns quinze minutos.
- Boa noite, aonde vamos? Perguntou o motorista.
- Não sei, o senhor não sabe?
- Essa é boa: é a primeira vez que pego uma passageira que não sabe para aonde vai! Vou te contar...
- Peralá, o senhor foi contratado para me levar para uma corrida para a qual já foi até pago… e não sabe?
- Não senhora. A empresa apenasmente me bipa e eu venho no endereço. Certo?
- Bem, o que eu sei é que vamos para o Recreio na casa de Ana Carolina, a can…
- A cantora? Pô essa mulher é fera! E como é que a gente chega lá?
- Ana Carolina? (Eu já de celular em punho falando com a própria) Como é que eu faço pra chegar aí… etc e tal… patatipatatá…
- Mas essa menina canta muito bem. Aliás, essa musica que está tocando aí dela na novela é uma versão boa, mas a primeira foi a do José Augusto. Sabe quem é? "Agora agüenta coração..."
- Sei, mas eu não conheço a versão dele pra essa musica que a Ana gravou com a versão dela.
- Ah, é muito bonita! Quer ouvir?
Pois não é que Marcos (era esse o nome dele) sacou de seu CD, “O Melhor de José Augusto” e o colocou no excelente som de seu carro imediatamente? Seguimos na estrada ouvindo aquela breguice; ele preferia a versão dele, eu disparadamente a dela, e a conversa vai até quando éramos pequenos, cada um no seu mundo, o gosto pela musica já aparecendo na infância e coisa e tal. A conversa seguia boa até que ele perguntou:
- Será que Ana Carolina sabe que existe outra versão dessa musica?
- Não sei, mas eu vou contar a ela.
- JURA?
- Juro.
- Vai dizer que eu mostrei o disco e tudo?
- Claro, vou contar a estória desde a hora em que ainda não sabíamos para onde íamos.
A chuva caía lá fora e à noite, o Recreio dos Bandeirantes me parecia mais longe e mais desconhecido. Vamos seguindo errando ali, entrando na possível rua acolá, adivinhando uma esquina. A cor vermelha do edifício, conforme a própria dona da casa havia me dito pelo telefone, parecia ser num outro bloco mais adiante.
- Quer dizer que a senhora vai contar a ela o assunto dessa nossa corrida? Que eu sou fã dela e tudo?
- Claro que eu vou!
- É, a gente fica pensando… Será que ela vai gostar de saber?
- Talvez ela já saiba. Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
- Mas dá vontade de ser uma mosquinha a assistir tudo o que vai acontecer lá quando você contar. Não é que eu seja curioso não, sabe?
- Não, você e uma espécie de enxerido científico, eu entendo.
- É, é essa que a é a tristeza do motorista de táxi.
- Qual tristeza Marcos?
- A gente nunca sabe o final. É sempre assim, essa agonia: "Moço, pelo amor de Deus, toca pro Santos Dumont que eu tenho que pegar esse avião que sai em vinte minutos. Lá em São Paulo um cara vai estar me esperando no aeroporto, e de lá nós vamos para uma reunião que, dependendo do resultado, eu vou poder me separar da Odete e casar com a Patrícia. Eu nem acredito! Deus me ajude. Corre moço!". Aí você pisa firme, toma até multa, mas deixa o cara no destino dele. E a parte deles com a gente só vai até "obrigado" ou "valeu" e a nossa com eles até o "boa sorte”.
- E você fica pensando nos possíveis finais?
- Fico. Será que ele pegou o avião? Será que perdeu, chegou lá não havia ninguém esperando em Sampa porque ficou muito tarde e ele não pode resolver o negócio para se divorciar de Odete e casar com Patrícia, meu Deus?
- Você tem razão. Porque você com seu serviço, passa ser um personagem na trama. Um personagem cuja ação é decisiva para o desfecho.
- Pois é. E quando a gente leva pessoa quase parindo? Ah, nossa senhora!
Quando agente chega lá e deixa a passageira e os parentes, ah… dá vontade de entrar no hospital, sabe? Saber notícia, esperar um pouco só para esticar o ouvido e escutar um marido dizendo: “é uma menina como a mãe queria!”. Sei lá, eu falando assim pareço um cara intrometido… mas…
- Mas não é. Você é um cara solidário, é diferente. Você se envolve com a estória do outro que está ajudando a construir com sua ação. Você considera a vida do outro, você se importa com o outro. Sua curiosidade é uma certa compaixão pelo outro e quer acompanhar o desenrolar dos fatos depois que você o deixa.
- Você é psicóloga? - Não, sou escritora e atriz.
- Ah, então também aprecia o roteiro da vida, né?
- Se é. Vivo que nem você, pensando nos enredos. No meu e nos dos outros. Estou terminando agora meu livro de contos, meu primeiro livro de prosa e tem uma parte dele que se chama "Uma escuta Passageira" que são algumas das inúmeras estórias que os motoristas de táxi me contam. São maravilhosas. Isso dá a maior parceria pro meu pensamento.
- E o livro está no computador?
- Não, está aqui na pasta. Estou revisando e vou levar pra mostrar um conto que a Ana Carolina vai dizer no Canecão.
- Deixa eu ver? É isso que eles chamam de originais?
- Tá falando com eles.
- Puxa, que honra! Que dia esse o meu! Aqui acontece de um tudo. E se a gente contar parece mentira.
- Parece ficção. Isso sim.
- Bem chegamos. Acho que é aqui sim. Ela disse o único prédio vermelho.
- Tchau, obrigada, bom trabalho.
- Tchau. Boa Sorte. Nos despedimos no de sempre quando me voltei, ainda sob a chuvinha já mais fina, já quase entrando no edifício, e gritei: - Marcos?
- Sim?
- Você quer saber o final? Os olhos dele brilhavam como os de uma criança que finalmente toca naquela bola querida.
- Claro que quero! É tudo o que eu quero!
- Então vem me buscar!

Meu primeiro diário de bicicleta...

Gente!!! Eu tenho um blog, eu tenho um blog, eu tenho um blog...
Prometo que vou tentar postar coisas que tenham conteúdo...